É possível doar hoje em dia?
Uma pergunta pertinente em uma sociedade onde o individualismo está em forte crescimento, os sentimentos como o egoísmo, a ambição de acúmulo desnecessário de bens materiais e o entendimento de que a “riqueza” é medida através do que possuímos, faz parte de uma série de fatores que dificultam a doação.
Muitas vezes o ato de doar se confunde com o de troca, pois envolve um bem, que pode ser chamado de “mercadoria”. Doar é algo voluntário, movido pela solidariedade social. Em uma sociedade onde a economia é baseada na troca de produtos, a doação é claramente identificada como uma ação comercial, portanto, difícil de dissociar o “dar” do “receber”. É necessária uma análise rigorosa de nossas ações e objetivos para que haja o devido discernimento.
A tentação do ser humano é doar, normalmente, mais coisas materiais do que a si próprio, por isso, confunde-se “oferenda” com “doação”. Entretanto, essas ações se diferem, porque doar de verdade não é livrar-se de algo que nos incomoda ou ocupa espaço em nossa vida cotidiana, mas renunciar. Gotthold Lessing, um dos maiores representantes do iluminismo, afirma: “é a intenção e não a doação, que faz o doador”.
Dentro do conceito de liderança o fato de doar é o elemento que nos separa do ser humano autossuficiente ou autárquico. Liderar é doar seu tempo, paciência, ombros e ouvidos. É compartilhar conhecimento e experiências que te fazem crescer com o desejo que os outros cresçam também. Liderar requer atos constantes de doação.
A doação não pode limitar-se a coisas materiais, porque está fortemente ligada à “palavra”, ou mesmo, à própria “vida”. Doar a nossa vida é um ato extremo, obviamente, que vai contra nosso “auto-protecionismo biológico”, pois nosso instinto é de viver e nos proteger, mas podemos doar sangue ou doar um órgão, por exemplo. Isso é doar vida em um extremo gesto de amor.
O “bem” de doação não nos pertence, ele, simplesmente, passa por nossas mãos até chegar às de outra pessoa. O ato de doar nunca pode ser submetido à esperança de receber de volta. Doar é sinônimo de gratuidade, logo, ausência de reciprocidade. Nos cinco anos desde que Bill Gates e Warren Buffett criaram a Giving Pledge (“promessa de doação”, em tradução livre), 193 indivíduos fizeram a simples promessa de doar mais da metade de sua fortuna em vida ou na morte.
Por que doar é tão importante?
Doar é o senso de querer fazer o bem. Reduz o apego ao dinheiro e aumenta nossa sensibilidade sobre os valores de nossa sociedade. A proximidade da doação e do desapego são dois elementos que geram uma abertura ao humanismo e aumenta nossa predisposição do entendimento das pessoas, no caso de um líder de suas equipes ou de seus clientes.
(Foto: Doação de alimentos aos desabrigados vítimas das enchentes em Santa Cruz Cabrália-BA, 2014).
A doação é um início de relacionamento com o outro; é a base do sentido da igualdade que cria espaço para o crescimento do sentimento do amor; aproxima as pessoas e aumenta a empatia. Doar é praticar o exercício da liberdade, pois é um ato espontâneo sem nenhum tipo de obrigatoriedade e constrangimento; uma iniciativa própria e pura, privada de forças exteriores.
“Doação não se trata unicamente de doar o que possuímos (oferenda), mas o que somos!”
Doar não é um simples gesto, tem um grande significado. É uma forma de esvaziar nossa própria consciência, deixando, assim, espaço para novos conhecimentos e sentimentos. Nosso “vazio” é a única possibilidade de poder aprender sempre, evoluir e ter espaço para inovação e progresso.